domingo, 10 de abril de 2011



Numa sexta-feira, em Campinas, faleceu o sambista Nenê do Cavaco. Álvaro Matheus como era chamado. Aos 75 anos. Considerado o “Cartola” de Campinas, Nenê do Cavaco integrava a velha guarda da Escola de Samba Estrela D´Alva, várias vezes campeã do Carnaval campineiro. Nascido em Itirapina em 26 de outubro de 1934, com 6 anos começou a estudar cavaquinho. Aos 10 anos já integrava o conjunto Os Sete Camaradas. Tocou ainda no conjunto Os Acadêmicos do Samba e ao lado de nomes como Elis Regina, Beth Carvalho ou Orlando Silva. Seu nome está registrado no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Nenê também foi professor e inspirador de bambas do samba campineiro. Atualmente, o sambista morava em Matão, em Sumaré. O local do velório e enterro ainda não foi definido.

Jorge Dersu - Jorge Luis Aparecido Matheus




Jorge Dersu, ex Jorge Matheus, nasceu no dia 31 de março de 1957 em Campinas - SP; Jorge Luis Aparecido Matheus. Em 1975 o primeiro prêmio no Projeto Guarani, um festival de música popular realizado pela Secretaria de Cultura de Campinas e o Banco do Estado da Guanabara. Filho de Nenê do Cavaquinho, compositor e instrumentista. Começou a tocar violão por causa de Jorge Ben. Do cavaquinho e o violão, ao salto para o colo da chamada Vanguarda Paulista.No Primeiro Festival da Vila Madalena, São Paulo,1980, ele faturou o primeiro lugar com as canções "Tem Maria" e "Brasileiro Quilombola". Disco ao vivo pela Gravadora Continental e shows no lendário Teatro Lira Paulistana.Em 1982, no auge da Vanguarda Paulista, Jorge Dersu, ainda Jorge Matheus, participa da formação inicial da Banda Ísca de Polícia, com Itamar Assumpção e outros, fazendo os vocais com Suzana Salles, Vânia Bastos e Virgínia Rosa. Essa vocação vanguardista não aconteceu de uma hora para outra, da noite para o dia. Em Campinas, meados dos 1970, ele integrou o Grupo de Teatro Evolução, princípio do que seria uma das bases do Moderno Movimento Negro do Brasil, com os amigos TC e Lumumba. O resultado foi "Sinfonia Negra", uma criação coletiva.Em 1989 conquistou o terceiro lugar no V Festival Nossa Música, promovido pela Secretatia de Cultura do Estado de São Paulo. A premiação aconteceu no dia 21 de dezembro, no Sesc Pompéia, após três etapas anteriores ocorridas em diferentes cidades do estado de São Paulo. "Minha Música", de sua autoria, mostrou ao público um sambabossa que cantou o sentimento comparado ao prazer da canção.Em 1991 grava o seu primeiro e único trabalho em CD. Músicas próprias que são divulgadas em shows. Um trabalho independente, disponibilizado na internet para download, promovido no bôca à bôca e vendido de mão em mão pelo próprio artista, músico, cantor e compositor, poeta e estudante de filosofia na Faculdade São Bento.Em 2010 vive e mora no centro da cidade de São Paulo , na Rua e Bairro Santa Ifigênia. Apresenta-se semanalmente, às terças-feiras, no Pico Espeto Bar, Cardeal Arco Verde, em Pinheiros.

Texto: Laerte Ziggiatti e Jorge DersuFoto: Riso Maria Dersu


jorgematheus.mus.br Desenho do Sítio: Jorge Dersu




Jorge Matheus




Cantor e compositor, Jorge Matheus nasceu no dia 31 de março de 1957 em Campinas - SP. Na infância e na adolescência Jorge Matheus sempre foi o que foi e o que veio a ser.Os primeiros contatos com a poesia no velho Externato São João, programas infantis em rádios de Campinas e Americana, influências de Agnaldo Rayol, Ataulfo Alves, Chico Buarque. E sem esquecer os filmes do Mazzaropi, Caetano, Gil, Tropicália, a revista Bondinho, o Fino da Bossa, a Jovem Guarda, Renato e seus Blue Caps, Beatles, Martinho da Vila, Jorge Ben. Aliás, Jorge Ben sempre, ontem, hoje, amanhã, sempre.Em 1975 o primeiro prêmio no Projeto Guarani, um festival de música realizado no Teatro Castro Mendes, em Campinas-SP. Foi também a época do Teatro Barracão e o encontro com a turma do Mato Grosso, que viveu uma temporada na cidade. Tetê Espíndola, Alzira Espíndola, Carlos Rennó.Filho de Nenê do Cavaquinho, compositor e instrumentista. Começou a tocar violão por causa de Jorge Ben. Do cavaquinho e o violão ao salto para o colo da Vanguarda Paulista. Sim, Jorge Matheus é do mesmo Movimento que revelou Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. Foi no Festival da Vila Madalena, São Paulo, 1980. Muita gente importante passou por ali. Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Nando Reis, Vange Leonel e outros. Ele faturou o primeiro lugar com a música "Tem Maria". Disco ao vivo, shows no lendário Teatro Lira Paulistana.Em 1982, no auge da Vanguarda Paulista, Jorge Matheus participa da formação inicial da Banda Isca de Polícia fazendo os vocais com Suzana Salles, Vânia Bastos e Virgínia Rosa. Essa vocação vanguardista não aconteceu da noite para o dia. Em Campinas, meados dos 70, ele integrou o Grupo de Teatro Evolução junto com os compositores Lumumba e TC. O resultado foi a peça "Sinfonia Negra", uma criação coletiva.Em 1989 Campinas mais uma vez consegue provar que seu lado artístico está à tona. Desta vez, foi com o talento do cantor e compositor Jorge Matheus, que conquistou o terceiro lugar no V Festival Nossa Música, promovido pela Secretaria Estadual de Cultura. A premiação aconteceu no dia 21 de dezembro, no Sesc Pompéia, após três etapas anteriores em diferentes cidades do interior de São Paulo. A música "Minha Música" levou a terceira colocação e mostrou ao público um samba/bossa que fala do sentimento comparado ao prazer da canção. O músico foi acompanhado por Dogmar Souza na bateria; Castora na percussão e voz; Carla Arnoni no teclado; Marcelo Calderazzo no baixo e o próprio compositor na guitarra e voz.Em 2003, 14 de julho, a Câmara Municipal de Campinas concede ao músico Jorge Matheus a Medalha "Carlos Gomes", pelos relevantes serviços prestados nos campos da cultura e da arte.


O DNA DO SAMBA CAMPINEIRO

quinta-feira, 12 de junho de 2008



Em 1926*, num cortiço do Centro de Campinas, um negro com um pandeiro foi preso. Para a polícia não importava que, horas antes, ele estivera trabalhando na manutenção da linha ferroviária da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Depois da denúncia anônima, os soldados o encontraram no quintal, sem camisa e um pouco bêbado, tocando um pandeiro na presença de outros negros, que dançavam e cantavam misturando português a um dialeto africano. Foi levado pelo camburão e, dias depois, o corpo sem vida foi encontrado nos trilhos do trem. A repressão ao samba e aos sambistas era, fundamentalmente, a repressão aos negros e sua cultura. . Não faz muito tempo que homens deixaram de morrer pelo simples fato de andarem com um instrumento musical debaixo do braço. O negro sem nome, achado morto na ferrovia, poderia muito bem ser o avô ou o pai do homem miúdo, de gestos tímidos e educados, que dá aulas de cavaquinho para sobreviver, em seu humilde apartamento do CDHU. Seu Nenê do Cavaco abre a porta de casa com um largo sorriso, deixando entrever um único dente na boca. Ele se chama Álvaro Matheus, mas é inútil chamá-lo pelo nome de batismo. Para os campineiros ele é apenas Nenê, 71 anos, o maior sambista vivo da cidade, compositor campeão de muitos carnavais pela Estrela D’Alva - a escola de sua paixão. . Na mesa da sala, ao lado de uma caixa de sapatos repleta de fotografias antigas, está um velho cavaquinho com seu nome gravado. Um cavaquinho sem marca, "desbotado de sereno" - como ele diz. E é quando ele acaricia as cordas do instrumento que a memória se acende e a história vem à tona. Se no tempo da escravidão os negros tremiam de medo ao ouvir falar em Campinas - era nas fazendas daqui que os "fujões" recebiam os piores tratamentos - no tempo em que Nenê era jovem, lá pelos idos dos anos de 1950, a abolição ainda não havia sido assimilada completamente pela sociedade. "Um dia, entrei no bonde com o cavaquinho na mão e as senhoras brancas se levantaram quando me sentei. Aquilo me deixou muito triste. Eu então me pus de pé e disse para que elas se sentassem novamente, que eu ia descer". . Quando o samba já comia solto nos fundos dos quintais e nos terrenos baldios, Campinas ainda era dividida ao meio. Pela rua Francisco Glicério só transitavam os negros; os brancos circulavam pela rua Barão de Jaguara. Mas, recorda Nenê, aos sábados e domingos todo mundo se encontrava no Largo do Rosário, um "território neutro" onde aconteciam rodas de samba. "Quando brancos e pretos se encontravam no samba, não tinha esse negócio de cor de pele; a sociedade evoluiu e foi aceitando a mistura. Hoje sou avô de preto e avô de branco. Foi o samba que ajudou a superar o racismo", diz. . Ecos da história . O samba, a mais forte instituição nacional, veio de longe. Da África antiga veio a semente, germinada nos porões escuros e úmidos dos navios negreiros, que despejaram, aos milhares, negros no território brasileiro. Mas o que os primeiros africanos aqui cantavam, ainda não era o samba. O que dançavam, tampouco. O samba, essa fortaleza, nasceria tempo depois, do sincretismo e da adaptação de uma cultura milenar a uma nova realidade. É provável que a origem da palavra "samba" esteja no desdobramento ou na evolução do vocábulo "semba", que significa "umbigo" em quimbundo (língua de Angola). Historiadores registram primeiramente a dança - forma que teria antecedido a música. De fato, o termo "semba" designava um tipo de dança de roda praticada em Luanda e em algumas regiões do Brasil, sobretudo na Bahia. Do centro de um círculo e ao som de palmas, coro e objetos de percussão, o dançarino solista, em requebros e volteios, dava uma "umbigada" num outro companheiro a fim de convidá-lo a dançar, sendo substituído então por esse participante. . Em Campinas, o samba urbano se desenvolve na segunda metade do século XIX, com os escravos e seus descendentes nas fazendas de café da região. As manifestações mais antigas de que se têm notícia no interior paulista são o samba-lenço e o samba-de-bumbo, que geraram o samba "moderno" que conhecemos hoje. Todos os sambistas campineiros - aqueles que, pela idade e experiência, inserem-se na chamada "velha guarda" - trazem consigo ecos dessa história. Se não foram protagonistas dos primeiros batuques, herdaram da família o gene dessa trajetória de luta e resistência cultural. . Seu Nenê se lembra de quando o samba saiu das ruas e ganhou os palcos. Em 1964, no imponente Theatro Municipal Carlos Gomes, ele foi o escolhido para acompanhar o "cantor das multidões" Orlando Silva. "Foi o primeiro grande show de samba que eu me lembro de ter visto num teatro; nessa época, o samba já não era marginal, a classe média e os estudantes começaram a ver qualidade no que a gente fazia. Eu acho que foi mais ou menos nessa época que o samba entrou no mercado. Como tudo na vida, teve seu lado bom e seu lado ruim". . O lado ruim foi a perda progressiva dos laços culturais que mantinham várias gerações ligadas à tradição. "Dói pensar na decadência das escolas de samba. É só desunião. Ninguém mais respeita a cultura. O sambista só quer saber de dinheiro. Eu estou velho demais para continuar segurando a tradição sozinho. Acabou, acabou...", lamenta Nenê, olhos perdidos no vazio. Para ele, a Estrela D’Alva, escola de samba à qual dedicou toda sua vida, é uma das poucas que ainda mantém minimamente unida a comunidade em torno de seu estandarte. "Quando a escola perde a comunidade, perde a razão de ser. O carnaval de Campinas empobreceu quando as escolas se distanciaram do povo", afirma o sambista." . "Não dá para discordar do Nenê. O que você pode esperar de um passista que desce a avenida com os sapatos sujos? O que esperar de uma escola com fantasias sem brilho? De sambistas que desfilam bêbados? O samba é elegância, conhecimento e respeito. Se não tem essas três coisas, não tem samba". Quem fala agora é Josué de Sousa. Ele é, provavelmente, o mestre-sala mais antigo do Brasil em atividade. Há 43 anos que o funcionário público desenha e costura a própria fantasia e desce a avenida no carnaval ao lado de Iracema, sua mulher e porta-bandeira. Aos 60 anos de idade, Josué é o mais novo dentre os velhos sambistas que fizeram a história do samba campineiro. Último representante de um tempo em que sambista tinha orgulho de se vestir bem, ele diz que a elegância está relacionada também à perseguição que os sambistas sofriam, até a metade do século 20. "O samba era nosso orgulho; nós queríamos mostrar para a sociedade que os pretos podiam fazer samba e se vestir como homens de bem. O preconceito era muito grande, tínhamos de nos valorizar". . Em meio ao cafezinho preparado por Iracema e a pitadas do inseparável rapé, Josué se lembra das congadas que presenciou na infância, quando ainda morava em Machado, cidadezinha mineira onde nasceu: . "Essa festa teve boa/ teve de deixá sôdade/ vamo nós pedir a Deus/ e à senhora do Rosário/ ao senhor São Benedito/ proteção pro meu trabalho" . Nas congadas de Minas Gerais, onde se formou, o menino de calças curtas tocava bandola. Foi o seu primeiro contato com o folclore e a descoberta de sua paixão pelo batuque. Ao chegar a Campinas, em plena ditadura militar, foi preso numa batida policial no Viaduto Cury. "Eu não tinha envolvimento político nenhum, mas mesmo assim fui levado. Era recém-chegado na cidade, aquilo me marcou muito", conta. A prisão, ao menos, rendeu-lhe a amizade de um soldado e um emprego de guarda noturno, pouco depois. "Eu fazia a ronda na região do Mercado Municipal", relembra. . Na época, todos os sambistas freqüentavam o mercadão. O Bar do Pachola, já naquele tempo, abrigava as melhores rodas de samba da cidade. Como a repressão não era mais racial e sim política, ninguém estranhou a presença de um negro fardado nas rodas. Até porque ele era um simples guarda noturno. "Aí começo a me envolver com o samba e não largo mais". Fundador, diretor e mestre-sala com passagens por várias escolas de samba de Campinas - Mocidade Independente, Império do Samba, Rosa de Prata, Unidos de Santa Lúcia, Princesa de Madureira, Ponte Preta e Vaiquemké, entre outras -, Josué critica o descaso com que as escolas são tratadas por seus diretores. "O carnaval é um teatro de rua, você tem que fazer com que o público entenda o que está sendo mostrado na avenida. Para escrever um enredo é preciso muita pesquisa, não é brincadeira. Infelizmente eu tenho uma posição radical: penso que deveríamos acabar com as escolas de samba inexpressivas, essas que só existem para render benefícios a um grupo ou família. Se Campinas tivesse apenas três ou quatro escolas mais tradicionais, o carnaval voltaria a ter o luxo e o brilho do passado", acredita. . É bom deixar claro - a pedido de Iracema - que um carnaval decadente não significa ausência de bons sambistas. "Campinas tem muita gente boa envolvida com o samba. E samba não é a mesma coisa que Carnaval; são coisas que se completam, mas que podem andar separadas", diz ela. O que deveria ser uma festa autêntica acabou virando mercadoria. Josué concorda, lembrando que a fama de Campinas ser celeiro de bambas veio muito antes das escolas existirem. Nos tempos dos cordões, até a metade da década de 1940, ele garante, o "bicho pegava". Os cordões tinham nomes singelos: Vasquinho de Ouro, Marujos, Leões da Vargem. O Nem Sangue, Nem Areia arrastava até duas mil pessoas. Alguns cordões saíam com 80 surdos na bateria. "Nas festas de Pirapora a maioria dos integrantes era de Campinas. A cidade era muito respeitada. Depois veio o carnaval oficializado e a coisa começou a desandar", diz, diante do móvel onde guarda os troféus conquistados como mestre-sala desde 1961, data de seu primeiro desfile. . Sem reconhecimento . Deixemos a majestade de Josué e Iracema no Jardim Santa Lúcia e vamos encontrar três amigos da pesada no botequim da Estação Cultura, no alto da rua 13 de Maio. Ali, diante da estrada de ferro da Fepasa, as recordações se aguçam. O trem, que trazia e levava trabalhadores de todas as partes do País, já não existe mais. Mas ali, naqueles trechos de trilhos, muitos negros foram assassinados ou se suicidaram. Proibidos de trabalhar, de cultuar os orixás e de fazer samba, muitos caíram na mendicância. E se até pedir esmola era proibido, o que restava então? O primeiro a chegar é Zitão, apelido pelo qual é conhecido Lázaro Altino, 63 anos, percussionista que marcou época. Ele não viveu os anos mais violentos da repressão, mas lembra-se de histórias escabrosas transmitidas pelos avós. "Naquele tempo bastava ser negrão para trancar matrícula na Terra", brinca, com sua peculiar rapidez em criar expressões engraçadas. . Apoiado no balcão de mármore do bar, ele sorve a cerveja gelada à espera de Edgar de Souza e Alfredo Gama, amigos que não vê há muito tempo. "A saudade é o pior sentimento do mundo e, ao mesmo tempo, o melhor. A gente mata a saudade e ela sempre renasce pra perturbar a nossa velhice", diz Zitão. Nascido no Cambuí, bairro negro que hoje ostenta ares aristocráticos, ele conta que muito samba era feito nos terrenos baldios. "No sábado à noite a negrada abria uma clareira no meio do mato, num campinho que havia na rua Barreto Leme, improvisava um bico de luz no alto de um bambu e ficava ao redor da fogueira, bebendo cachaça e cantando até segunda-feira. Aquilo sim era samba, o resto é boi com abóbora", define. . "Lord" Edgar e Gama chegam juntos. O primeiro tem 66 anos e perdeu a visão há dez. Caminha com dificuldade, auxiliado pela filha Daniela, que o leva ao encontro do amigo. Gama tem 70 anos e traz consigo um repique, na esperança de reviver velhos tempos. Juntos, formaram um dos melhores times musicais da cidade, no tempo do grupo Acadêmicos do Samba, em que os bares não fechavam cedo e a música comia solta até o sol nascer.Depois dos abraços, as lembranças. "A maior parte dos nossos amigos de samba sumiu ou morreu. Mas continuam vivos aqui dentro", diz Edgar, apontando o coração. Até hoje ele é um dos principais nomes da história da Voz do Morro, uma lendária escola de samba de Campinas que não existe mais. "Foi a escola mais organizada que nós tivemos, os desfiles eram lindos, havia amor pelas cores da nossa bandeira". . Presidente de escolas importantes e vencedor de inúmeros carnavais na função de apitador, "Lord" Edgar se recorda com especial carinho do carnaval de 1970, que ganhou pela Mocidade Independente. "Era o meu primeiro ano como presidente. Saímos com 700 integrantes, sendo 200 só na bateria. Desconheço outra escola que tenha saído com tanto luxo. Naquela época ainda não havia tanta gente metendo a mão na grana das escolas, a gente conseguia fazer um carnaval decente". . Gama não gosta de falar sobre escola de samba. De todos eles, é o único que não foi ligado a nenhuma agremiação. "Não gostava daquele negócio de compromisso com escola; meu negócio era tocar na casa do Darcy Relojoeiro, onde rolava uns pagodes ótimos", explica. Em meados da década de 1960, ele se aproxima dos regionais de choro, nos quais deixou saudade como percussionista. "Samba e choro sempre estiveram muito ligados. Se a gente for analisar, vai ver que a origem é quase a mesma", diz. . A tarde se arrasta em recordações e a conversa ganha contornos melancólicos, como o entardecer da província que Campinas deixou de ser. Ainda há muito que ser dito: o Carnaval em que a Ubirajara desceu a avenida todinha de branco, cantando um samba de Geraldo Filme; a morte de Beiçola, o maior dos presidentes; o dia em que Zuza, Abílio e Otávio Pretinho resolveram fundar a Voz da Vila; por onde andarão Cinema e Jaguari? São temas, quem sabe, para uma próxima reportagem. Hoje, a velha guarda do samba campineiro detém a memória de um samba que desapareceu em meio ao crescimento da cidade. De um samba onde cabiam frigideira e tamborim de couro de gato. De um samba que lutou pelo direito de continuar existindo. E, ao contrário do que ocorre no Rio de Janeiro e mesmo em São Paulo, esta mesma velha guarda não tem espaço de atuação ou reconhecimento que lhe imortalize, ao menos, em sua própria cidade. A maior parte dos velhos sambistas ainda tem de batalhar o pão de cada dia. Outros, em melhor situação, se queixam da falta dos amigos que já se foram e do ritmo de cidade grande que Campinas adquiriu - o que tornou a noite mais perigosa e o samba menos puro. . A cerveja está paga. Antes de se despedir dos amigos e tomar o ônibus para casa, Zitão, ao tamborim, puxa um samba de Wilson Batista. Edgar no reco-reco e Gama no repique o acompanham, como nos velhos tempos: ."Eu sou assim/ Quem quiser gostar de mim, eu sou assim/ Meu mundo é hoje/ Não existe amanhã pra mim/ Eu sou assim/ E assim morrerei um dia/ Não levarei arrependimentos/ Nem o peso da hipocrisia/ Tenho pena daqueles/ que se agacham até o chão/ enganando a si mesmos/ por dinheiro ou posição/ eu nunca tomei parte/ nesse enorme batalhão/ pois sei que além de flores/ nada mais vai no caixão" . (Bruno Ribeiro. Publicado originalmente no jornal Correio Popular. 14/ 11/ 2004) . Referências: *(Cléber da Silva Maciel. Discriminações Raciais em Campinas. Editora da Unicamp, 1987)

O Samba tem nome


Campinas, 11/02/2007.


"Jornal Correio Popular Caderno C"


O samba tem um nome


/ PERFIL /


Aos 72 anos, Nenê do Cavaco


conta histórias do Carnaval de Campinas



Bruno Ribeiro

DA AGÊNCIA ANHANGÜERA




Aos 72 anos, mais de 50 dedicados ao samba, Álvaro José Matheus é o nome mais importante do Carnaval de Campinas. Muito mais conhecido pelo apelido, Nenê do Cavaco é compositor campeão de muitos desfiles pelas escolas de fé - Princesa D'Oeste, Madureira e Estrela D'alva. É também autor de sambas gravados por intérpretes de peso e a maior referência local quando o assunto é cavaquinho. Nove entre dez sambistas da cidade tiveram com ele as primeiras lições do instrumento - o que conferiu ao samba campineiro uma marca percebida a partir da década de 70.No início do mês, a diretoria do bloco carnavalesco City Banda entregou ao mestre uma placa em reconhecimento à sua contribuição ao samba de Campinas. Mais de mil pessoas participaram da entrega da placa. "Para mim foi mais importante do que a Medalha Carlos Gomes", disse, em entrevista ao Caderno C concedida em sua casa. Testemunha ocular do crescimento de Campinas, Nenê é do tempo em que o samba ainda era "coisa de vagabundo" e a segregação racial dividia o Centro em duas partes: na Rua Barão de Jaguara só circulavam os brancos; na avenida Francisco Glicério transitavam os negros."Eu demorei muitos anos para andar livremente pela Barão; a gente sofria muito constrangimento", recordou. O samba, segundo Nenê, foi um dos responsáveis por acelerar a convivência entre brancos e negros na cidade. "Os pretos faziam uma batucada no Largo do Rosário, que era um território neutro. Eu tinha um amigo branco que tocava pandeiro e ele se misturava com a gente. Aos poucos a praça virou um ponto de encontro, os brancos foram se acostumando e tudo acabou em samba", afirmou. Enfrentando problemas de saúde, Nenê foi obrigado a interromper temporariamente as aulas particulares de cavaquinho que ministrava há cerca de 20 anos - desde que abandonou a noite. Morando num apartamento humilde do CDHU, o sambista é, possivelmente, o compositor de sambas de enredo que mais vitórias conquistou no Carnaval de Campinas em todos os tempos. De memória ele cita oito títulos de campeão. "Mas deve ter sido bem mais", frisou a mulher Terezinha, guardiã da caixa de fotografias antigas que ele faz questão de ter por perto, para ilustrar a conversa. Afastado das escolas de samba desde o fim dos anos 80 e início dos 90, quando, segundo ele, o Carnaval entrou em decadência, Nenê do Cavaco vai acompanhar os desfiles de casa. "Meu coração é sempre da Estrela D'alva, mas não tenho mais saúde para descer a avenida", lamentou. Ele, porém, não perde a esperança de que as escolas voltem a ser como eram antes - luxuosas e donas de autoridade moral para falar em nome do samba. "Se as pessoas mudarem para melhor, o Carnaval também muda. É tudo questão de caráter. É que hoje em dia o samba é o que menos importa dentro das escolas. Isso é o que me deixa mais triste", comentou.


Confira abaixo os principais trechos da entrevista realizada com o sambista campineiro.



Caderno C — Qual é a recordação mais antiga que o senhor tem do samba em Campinas?


Nenê do Cavaco — A minha memória é muito boa pra lembrar dos fatos, mas pra data sou ruim. Mas me lembro que quando comecei a fazer samba, Campinas era tão racista que preto não podia subir no bonde quando tinha senhoras brancas nele. Muitas vezes eu ia pra escola a pé, porque não me deixavam subir. E andar com cavaquinho debaixo do braço também não era boa coisa na cabeça da sociedade; eu tinha que esconder o instrumento numa sacola. Mesmo assim nunca deixei de fazer samba, porque era minha vida.


O senhor nasceu em Campinas?


Não, eu nasci em Pernambuco, mas fui registrado em Itirapina como sendo de Campinas, no dia 26 de outubro de 1934. Então sou campineiro, porque cheguei aqui menino ainda e me criei nesta cidade.


E como foi que o senhor começou a tocar cavaquinho?


Eu tinha oito anos de idade quando ganhei de presente meu primeiro cavaquinho. Naquela época a família me levou pra Indaiatuba, para tocar num grupo formado só por crianças. Aí eu achei que tocava bem. Só na mocidade é que fui me interessar em ter aulas com um professor, porque veio a necessidade de tocar na noite e ganhar meu dinheiro. Só fui começar profissionalmente aos 16, 17 anos... ‘


Qual a maior homenagem que o Senhor já recebeu?


Foi a placa da City Banda, pelos serviços prestados ao Carnaval.



Nesta parte da entrevista, Nenê do Cavaco conta histórias do Carnaval de Campinas das décadas de 40 e 50, faz comparações entre aquela época e hoje, e conta como se deu a decadência do Carnaval campineiro.


Caderno C — E seu envolvimento com escola de samba, como é que se deu?


Nenê do Cavaco — Isso foi o seguinte. Antes das escolas eu me envolvi com os cordões e os blocos de rua. Naquela época, isso na década de 40 e 50, os blocos arrastavam mais de mil pessoas. As baterias saíam com 80 surdos, era uma beleza. Eu saía no Leões da Várzea, no Marujos e no Nem Sangue, Nem Areia. Só mais tarde, quando me mudei para o (bairro) São Bernardo é que fui levado para a Princesa D’Oeste, minha primeira escola. Quando ela desceu a avenida cantando um samba meu, chorei feito criança.


E como eram os desfiles daquela época em comparação com os desfiles de hoje?


Bom, se você for falar nos desfiles do Rio e de São Paulo, vai ver que hoje é bem melhor. Isso falando de estrutura, né?


Mas em Campinas a situação é outra. Antes a gente tinha um Carnaval de verdade. As escolas desciam com luxo, as fantasias deixavam as pessoas de queixo caído. E além disso o samba era bem feito e bem tocado, naquele tempo tinha batuqueiro bamba. Hoje em dia é essa tristeza que todo mundo sabe.


E por que o Carnaval de Campinas entrou em decadência, na sua opinião?


Na minha visão, a culpa não é só do poder público, porque antigamente a gente desfilava com o esforço da comunidade também. O que eu acho que aconteceu é que a mentalidade das escolas mudou, hoje em dia só querem saber de dinheiro e não estão nem aí para a beleza do desfile. Não tem mais comunidade, o que existe é só um grupo pequeno tomando conta da verba. Não estou colocando todos no mesmo saco, mas a verdade é que a maioria não quer nem saber de samba. Eu sou meio linguarudo mesmo, não liga não.


E qual foi o desfile inesquecível do Carnaval campineiro?


O mais lindo de todos foi o da Ubirajara, que infelizmente não existe mais. A escola desceu todinha de branco, não tinha um só detalhe de outra cor. E ela veio cantando um samba feito especialmente pelo Geraldo Filme, que já era um grande compositor de São Paulo. Esse eu me lembro com lágrimas nos olhos. Mas dos desfiles que tiveram a minha participação direta não posso esquecer do primeiro que ganhei com a Estrela D'alva, que para mim é a rainha das escolas de samba de Campinas. Enquanto o Beiçola (presidente lendário da escola) viveu, ela foi imbatível.


O senhor ainda participa do Carnaval campineiro?


Não mais. Não participo há mais de dez anos. Primeiro porque não tenho mais condições físicas; não agüento ficar quatro horas em pé e não posso fazer muito esforço de saúde. Pra não atrapalhar meus companheiros, prefiro ficar em casa. E tem também que não me sinto à vontade como antes, né? Por conta das críticas que eu tenho em relação às escolas.


Qual seria a solução para o Carnaval de Campinas voltar a ser o que era antes?


Um pouco de investimento da Prefeitura ajuda; mas o mais importante é ter gente nova e honesta na direção. Tem que trabalhar o samba com a molecada dos bairros, criar de novo o espírito de comunidade. Porque se o sujeito não tem amor pelo lugar onde mora, não vai ter amor pela escola. Quem quer fazer parte de uma escola de samba tem de trabalhar por ela o ano todo e não só em fevereiro. Mas ninguém quer dar o sangue pelo Carnaval, o lema é “farinha pouca, meu pirão primeiro”.Mesmo afastado dos desfiles o senhor foi homenageado com uma placa pela City Banda, pelos serviços prestados ao Carnaval.


O que representou essa homenagem?


Deixa eu dizer uma coisa. Essa foi a homenagem mais bonita que eu recebi na vida. Dizem que quem ganha a Medalha Carlos Gomes não precisava ganhar mais nada, porque ela é a maior honraria que alguém pode receber em Campinas. Pois bem, eu tenho a Medalha Carlos Gomes, mas ela é oficial. O maior reconhecimento, eu acho que o reconhecimento que todo artista busca, é o popular. E a homenagem que eu ganhei do povão foi a que me deu mais alegria.

SEU NENÊ DO CAVAQUINHO





Para muitos o sr. Álvaro Matheus é o Cartola de Campinas. Para nós, no entanto, ele é apenas o Seu Nenê do Cavaco, a maior referência viva do samba campineiro quando o assunto é cavaquinho. Negro miúdo, de gestos e palavras delicadas, Nenê pode ser visto nas imediações do Viaduto Cury, nas lojas abandonadas da Galeria Pajé, onde, entre fotos, partituras e recortes de jornal, recebe seus alunos. Todo sambista de Campinas quer ser discípulo do homem calado que perambula pela Vila Costa e Silva com seu inconfundível chapéu preto e seu cavaquinho cheio de histórias. Compositor e integrante da velha guarda da Escola de Samba Estrela D'Alva, Seu Nenê é ganhador de muitos carnavais. Sua história de vida se confunde com a história do samba de Campinas feito nos últimos 50 anos. Como instrumentista, acompanhou nomes sagrados da música brasileira, como Orlando Silva e Noite Ilustrada. Atualmente, seu filho Jorge Matheus tem levado pra frente a bandeira do samba, pois é cantor, compositor e percussionista do grupo do Cupinzeiro. Aos 67 anos de idade, uma vida inteira dedicada à música, ele não se queixa de nada: "Deu pra viver decentemente e criar bem os filhos", diz. Mora numa casa simples, onde recebe amigos, na Vila Costa e Silva, o lugar que viu nascer e que adora. É um apaixonado pela cidade, principalmente pela Rua César Bierrembach, onde costumava passear. Há oito anos não se apresenta em público. Com um pouco de sorte é possível encontrá-lo no final de tarde, dando uma canja com o filho Jorge Matheus num barzinho da Praça Antônio Nica, na divisa dos bairros Santa Genebra e Costa e Silva. Lugar onde uns poucos privilegiados aproveitam a boa música produzida na cidade.


Abaixo entrevista concedida ao jornalista João Baptista César, do Correio Popular de Campinas:


- O senhor é campineiro?


- Eu sou campineiro. Nasci em Pernambuco, fui registrado em Itirapina como nascido em Campinas, em 26 de outubro de 1934.


- Onde chegou na cidade?


- Cheguei no bairro Guanabara, para morar na Rua José Paulino, hoje lá é um clube de malha, de bocha, bem em frente à Fonte São Paulo. Tinha sete anos.



- Como o sr. virou músico?


- No começo da década de 40, morei um tempo em Indaiatuba. Na minha rua havia umas 10 ou 12 crianças e o pai de uma delas tinha orquestra, o Gonçalves Teixeira. Desde o começo, eu ficava com o cavaquinho. Aí começamos a tocar, a treinar e o seu Gonçalves, que era maestro, ensinava. Aos dez anos, já tocava meio de ouvido no conjunto "Os Sete Camaradas". Então minha família voltou para Campinas e comecei a estudar de verdade.


- Qual era seu repertório na época?


- Em 1953, tocava samba-canção, bolero, baião, maxixe. O grande sucesso era o Pixinguinha, o Adelino Moreira, o Francisco Alves. Comecei a tocar muito, a estudar de verdade, a melhorar.


- E depois?


- Na década de 60, durante quatro anos toquei na Rádio Clube de Americana. Um dia o Edgard de Souza, hoje gerente do "Flor de Liz", me convidou para tocar no conjunto dele, o "Os Acadêmicos do Samba". Aceitei o convite e o conjunto começou a fazer sucesso. Quando "O Cangaceiro" inaugurou em 1969, fomos os primeiros a nos apresentar.


- Como era o ambiente musical na cidade?


- O que mais rolava era boate. Na Época tinha o "Armorial"; tinha "A Princesinha", na Barão de Jaguara, que antes se chamava "El Cairo". Tocava no "Etnia", no Castelo, no "Buzon". Trabalhei nas melhores casas de Campinas.


- Onde eram os pontos de boemia dos músicos?


- O principal era na General Osório com Júlio de Mesquita, o City Bar. Lá se podia encontrar o Paulinho da Viola, o Rago, SeuHermano Vidira, um pandeirista muito bom, o Carioquinha, Luiz Melodia, Carlinhos Meck, o Germano Matias, o Roberto Luna. Era um lugarfrequentado pelos melhores artistas. Em 1970, vivia-se um tempo que um queria fazer mais coisa que o outro. Outro ponto era o "Bar da Linguiça", na João Jorge, todo artista que vinha para Campinas tinha que parar ali. Raul Gil, Nélson Gonçalves, o saudoso Altemar Dutra, Luiz Melodia , Esmeraldino do Cavaquinho foram alguns dos que passaram por lá.


- E as canjas onde aconteciam?


- Naquela época a canja era frequente. Nesses lugares todos os músicos se reuniam para tocar. Antigamente qualquer grande artistafazia som na calçada, no banco do jardim. Me lembro do Paulinho Nogueira tocando perto da estátua do Carlos Gomes.


- Quem você coastumava acompanhar?


- Como existiam poucos cavaquinistas na época, eu era convidado para acompanhar os artistas famosos que vinham para Campinas,para Valinhos, e mesmo para São Paulo. Toquei com Eliana Pitmam, com a Elis Regina, com a Beth Carvalho - e ela também toca cavaquinho. Foi a Beth quem trouxe o conjunto "Fundo de Quintal" para cá. Acompanhei o Noite Ilustrada e o Orlando Silva, duas vezes, no Teatro Municipal, que não tem mais, quando ele veio para cá em 54 e 55.


- Como se vestia para tocar?


- Eu costumava usar um chapeuzinho Nat King Cole, com uma peninha. Também tive chapéu Ramezzoni, Cury que er muito famoso na época. Embora, aquela cuiquinha do Nate King Cole, marrom ou preto fosse o preferido. Terno era obrigatório em qualquer lugar. Eu confesso que sempre fui meio luxento. Nos conjuntos se usava terno e gravata, depois foi mudando pra roupa fantasiada.



- Era um tempo de luxo?


- Era um tempo diferente. Campinas tinha na época o título de "Terra do Orgulho". Se alguém descesse com uma roupa de manhã e a usasse de novo à noite, era o suficiente, a fofoca começava. Foi a música que começou a misturar brancos e pretos em Campinas. O encontro era no Largo do Rosário aos sábados e domingos. Na Barão de Jaguara só andavam brancos e na Francisco Glicério só os pretos ficavam. Era tudo dividido mesmo, em termos de passeio, até o meio do Largo do Rosário, lá se tocava uma musiquinha. O Fernando Didieri, um dos sócios do "El Cairo", era branco e tocava pandeiro e cantava. E brancos e pretos começaram a se encontrar. No final eu, o Didieri, o Carioquinha, o Leleca, Joãzinho Batista, um grande violonista, tocávamos na esquina do Éden Bar e na esquina da Barão de Jaguara com a Conceição, no "Ideal". Ali os pretos chegaram devagarinho e foram bem recebidos.


- Na época havia muito racismo?


- Havia. Lembro um dia que eu estava subindo no bonde do Cambuí com o cavaquinho na mão. Campinas era pequena e o racismo se sentia principalmente no bonde. Se um negro se sentasse, as mulheres brancas se levantavam. Aconteceu comigo e eu pedi por favor para a senhora se sentar de novo.


- Cavaquinho era coisa de preto?


- O cavaquinho não era bem visto, quem tocava era considerado vagabundo. Hoje é tudo misturado, tenho mais alunos brancos que negros. Antes, tinha amigos brancos que queriam aprender e o pai falava que era instrumento de preto. Hoje há muito branco que toca melhor que negro. O Royce do Cavaco é branco e é grande. O Beto Carioca, daqui, teve aula comigo e toca muito. A música começou a quebrar essa separação de raça.


- E a Vila Costa e Silva?


- Foi aqui que eu comecei a escolinha. Mudei para cá em 1970 e ficamos dez meses sem água e sem luz. O bairro estava se formando; acho que fui o segundo morador da rua.


- Participava das escolas de samba?


- Primeiro tinha a "Voz do Morro" e a "Estácio de Sá". Aí surgiu a "Princesa do Oeste", no São Bernardo. Um pouquinho antes haviam os cordões: "Marujos", "Leões da Várzea" e "Patos", que se reuniam onde hoje é o Posto de Gasolina Três Avenidas ( OrozimboMaia, Brasil e Dona Libânia ). Ali havia um chafariz com três cabeças de leão, a água saía da boca do leão e a gente descia aescada para beber no chafariz. Acabaram com aquela beleza. A escola que eu mais me envolvi e durou pouco foi a "MocidadeIndependente de Campinas". Uma grande escola.



- Como foi seu encontro com a "Estrela D'alva", aqui na Vila Costa e Silva?


- Pra mim é a rainha das escolas de samba. Ela começou no Taquaral, é uma das escolas mais antigas de Campinas. Mas, me entrosei na "Estrela" aqui na Vila Costa e Silva. Quando me mudei ninguém morava aqui. Então os cabeças da escola, o Beiçola, que era bugrino, mas boa pessoa, mudou pra cá. Eu sou pontepretano, ele era bugrino roxo. Nós enchíamos ele, que era barrigudo, que ele era um negão "barriga verde". Então comecei a musicar muitos sambas deles. Sou muito ligado com a compositora, a Pepa, ela canta muito bem e até toca um pouco de cavaquinho. Diversos sambas da escola fui quem musicou. A "Estrela D'alva" este ganhou pela quinta ou sexta vez consecutiva.


- O sr. é o Cartola de Campinas?


- Eles falam, né... Eu fiz muita coisa na vida, mas não posso falar que sou... Me formei junto com Campinas que se desenvolveumuito. Sou fruto desse crescimento.


- Como era o tempo das rádios?


- No começo participei da orquestra da Rádio Clube de Americana. Naquele tempo a televisão estava nascendo. Em Campinas me apresentei muito no auditório da Rádio Brasil, na Rua Barão de Jaguara, na Galeria Trabulsi, e na PRC-9, Educadora de Campinas, na Regente Feijó com Barreto Leme. Toquei também no alto-falante do Largo do Rosário. A gente ficava no terraço e o pessoal assistia lá embaixo. Aos domingos, a gente acompnhava os cantores, os calouros... Era a Rádio Janela, que começava às 18h30 e ia até as 22 horas. Bem em cima do Giovanetti. Outro lugar que se fazia um bom samba de rua era no Mercadão. A Rua Álvares Machado vinha até a Rua Barão de Itapura, só depois fizeram as pontes e os viadutos. Existiam bares bons de tocar. Era como hoje, bar só enchia quando tinha música. Era um monte de bar, um do lado do outro.

Um passo de cada vez o despertar da cidadania - Parte II